Quando a porta do ônibus se abre, somos recebidos pelo cheiro de
manteiga rançosa ou óleo velho de fritura. Misturado ao forte calor das três da
tarde, esse odor provoca náuseas e está encrustado nas paredes, no chão, no cão
vira-lata alimentado por um funcionário do bar.
O cachorro parece concordar comigo, já que dispensa o pedaço de
salgado frito, deixando o quitute para os pombos que mais parecem galos de
briga.
A minha viagem ainda não terminou e o próximo ônibus só parte
daqui a uma hora. Sentada no único banco vazio – justamente o que não está
protegido pela sombra, claro – me distraio ouvindo a rádio.
Autoescola
Santa Tereza D’Ávila. Nos dias de hoje é cada vez mais importante ter uma
habilitação para dirigir; seja para o trabalho, seja para o lazer.
Nos dias de hoje.
Da rodoviária, nem se pode dizer que parou no tempo. Muita coisa
é igual, porém tudo está mais degradado. Provavelmente porque são os mesmos
bancos, chão, guichês, lanchonetes de trinta, sessenta, cem (?) anos atrás.
Pergunto a um funcionário se há tomadas onde possa carregar o
celular: Ali, do outro lado, aproveita que ainda tem.
(Porque o bebedouro, as lixeiras, a coleta de lixo, a limpeza, a
tinta das paredes, tudo isso já foi arrancado)- é o parênteses que intuo na
gargalhada debochada do homem.
Na “sala de TV”, onde supostamente haveria uma tomada, algumas
pessoas esperam sentadas em cadeiras velhas; um balde recebe a goteira do teto;
uma televisão de tubo transmite chuvisco. Há um pequeno altar com a imagem de
uma santa, provavelmente Nossa Senhora da Glória, a padroeira da cidade.
Encontro finalmente uma fonte de energia na lojinha de
cacarecos, que vasculho com atenção, tentando achar algo comprável para
retribuir a gentileza da dona. Há adesivos de princesas da Disney, imagens de
santos, presilhas de cabelo, brinquedos de plástico e uma infinidade de
produtos que meus olhos de cidade grande julgam cafonas e vagabundos.
Numa
caixa de sapatos, alguns DVDs estão à venda, não em embalagens plásticas próprias,
mas em saquinhos transparentes, com suas capas reproduzidas em papel ofício. O
primeiro da fila exibe um ator que desconheço e é dirigido por alguém que
ignoro. Seu subtítulo parece muito adequado ao cenário: The smallest towns hide the darkest secrets.