Fazia tempo, um bom tempo, que não sabia o que era passar
quatro horas em uma sala de aula. No começo do mês relembrei durante um curso
de verão chamado “Realidade e ficção portuguesa no século XX”. Foram duas
semanas, seis aulas, seis autores, 11 livros. Éramos quatro estrangeiros (outra
brasileira, uma italiana e um catalão), quatro senhoras e uma moça portuguesas,
além da também portuguesa professora, claro.
Poderia falar do humor e sensibilidade do Almada Negreiros
em A invenção do dia claro, da
descoberta de Herberto Helder e seu belíssimo Os passos em volta, da literatura político-surrealista de Mário-Henrique
Leiria e de seus Contos do Gin Tonic,
mas, para além disso, há o fato de que cada aula era uma oportunidade de ouvir
os portugueses – as portuguesas, melhor dizendo – falar imenso. Suas expressões, como estruturam as frases, como pensam, o
que ignoram. Então, mesmo quando a professora se perdia, fugia do tema, lá
estavam as anedotas, a história do país, as histórias de cada uma, os causos.
Meus preferidos envolvem “O” escritor português – que, vejam só, é anterior ao
século XX, não constava do currículo.
Pois o senhor Eça de Queiroz estava em Bristol escrevendo Os Maias. Enviava, então, por correio,
os capítulos a Lisboa para serem revisados. O tempo passava e nada do retorno
dos textos, nada de o livro sair. Eça pede a um amigo que intervenha e acaba
por descobrir o problema: um tipógrafo estava a fazer cópias piratas e
enviá-las ao Brasil. Sim! A primeira edição de Os Maias publicada foi uma versão pirata vendida no Brasil, onde
Eça já era um enorme sucesso.
Isso é o que eu chamo de pioneirismo.
*continua amanhã
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