25 de fevereiro de 2016

A vida portuguesa

Estava prontinha para me entregar ao consumo – mais visual do que concreto, que o câmbio não está para isso – mas uma conversa casual acabou por transformar a tarde, que prometia ser apenas uma imersão naquela que ostenta o título (merecido) de “a loja mais bonita de Portugal”.

Dos lenços de namorados, para os livros infantis, logo os conhecidos em comum, as visitas ao Rio e a Lisboa, e então Marisa conta a história mais fantástica. É ela a remetente da primeira correspondência que conseguiu chegar à Faixa de Gaza. Dentro do pacote, caderninhos e lápis de cor para as crianças do acampamento eterno, proibidas de ter “morada postal” para que não se estabeleçam definitivamente. Do lado de fora, direções vagas, tomadas de uma crônica escrita pela jornalista Alexandra Lucas Coelho, que trabalhou como correspondente ali: o nome de seu amigo e a referência de que ele vive “em cima da farmácia”.

Marisa já passou uns meses no Brasil, tem uma pequena editora independente, queixa-se, mas não muito, dos momentos pouco criativos do trabalho de balcão e é uma dessas pessoas invulgares que enviam pacotes de lápis de cor a crianças da Faixa de Gaza. Dessas pessoas que depois de quinze minutos de conversa oferecem sua casa ao outro, ao estrangeiro. Com mais cinco, insiste para que eu escreva mesmo aquele e-mail, faça contato com aquela editora, que eles hão de adorar saber o quanto gosto de seu trabalho.

Tem um olhar franco, que não titubeia, um sorriso aberto e uma forma muito própria de fazer o outro se sentir especial e capaz – mesmo que seja alguém por cuja cabeça nunca passou a ideia de enviar um pacote às crianças da Faixa de Gaza.

Na hora da despedida, dá a volta ao balcão, passa para o lado de cá, diz que vai dar beijinhos, “esse hábito tão português”. Fico feliz de ter herdado o hábito.




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