Estava prontinha para me entregar ao consumo – mais visual
do que concreto, que o câmbio não está para isso – mas uma conversa casual
acabou por transformar a tarde, que prometia ser apenas uma imersão naquela que
ostenta o título (merecido) de “a loja mais bonita de Portugal”.
Dos lenços de namorados, para os livros infantis, logo os
conhecidos em comum, as visitas ao Rio e a Lisboa, e então Marisa conta a história
mais fantástica. É ela a remetente da primeira correspondência que conseguiu
chegar à Faixa de Gaza. Dentro do pacote, caderninhos e lápis de cor para as
crianças do acampamento eterno, proibidas de ter “morada postal” para que não
se estabeleçam definitivamente. Do lado de fora, direções vagas, tomadas de uma
crônica escrita pela jornalista Alexandra Lucas Coelho, que trabalhou como
correspondente ali: o nome de seu amigo e a referência de que ele vive “em cima
da farmácia”.
Marisa já passou uns meses no Brasil, tem uma pequena
editora independente, queixa-se, mas não muito, dos momentos pouco criativos do
trabalho de balcão e é uma dessas pessoas invulgares que enviam pacotes de
lápis de cor a crianças da Faixa de Gaza. Dessas pessoas que depois de quinze
minutos de conversa oferecem sua casa ao outro, ao estrangeiro. Com mais cinco,
insiste para que eu escreva mesmo aquele e-mail, faça contato com aquela
editora, que eles hão de adorar saber o quanto gosto de seu trabalho.
Tem um olhar franco, que não titubeia, um sorriso aberto e
uma forma muito própria de fazer o outro se sentir especial e capaz – mesmo que
seja alguém por cuja cabeça nunca passou a ideia de enviar um pacote às
crianças da Faixa de Gaza.
Na hora da despedida, dá a volta ao balcão, passa para o
lado de cá, diz que vai dar beijinhos, “esse hábito tão português”. Fico feliz
de ter herdado o hábito.
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