24 de fevereiro de 2016

Uma rapariga na lata de lixo

Outro dia recebi um abraço de uma moça que oferecia FREE HUGS no Largo do Camões. Pareceu meio irreal, meio comercial de TV.

Outra noite fui a uma festa em um apartamento em que poderia viver a Celine de Antes do pôr do sol, mas que pertence a um português que toca tchello. Ares de Anos 30, lustres Anos 60, luz vermelha, esculturas de Buda, paredes azul turquesa, bonecas chinesas e relógio de antiquário misturado a quadrinho irônico do Batman e Robin. Uma casa linda.

A planta estreita e comprida torna o corredor incontornável e é nele, em cima de um aparador, que repousa a estrela da noite. Uma enorme foto preta e branca de uma bela mulher, cabelos escuros, franjinha reta, lábios fartos, olhar distante. Não há quem passe sem parar para ver a foto e perguntar quem ela é. O fato de a imagem ter sido encontrada no lixo torna tudo ainda mais interessante, em pouco tempo todos estão levantando hipóteses sobre sua origem. Será que é portuguesa? A foto é contemporânea, olha a roupa dela. Esses prédios ao fundo parecem Londres. Ou Nova Iorque. Escreveria mil músicas sobre essa foto. 

A maioria concorda que só um coração partido faz alguém abandonar uma imagem dessas na lixeira.

Sigo no corredor até a cozinha, onde um ilustrador canadense (canadiano aqui) prepara um curry para o aniversário de um músico brasileiro.

Hoje é dia de festa 
Cantam as nossas almas 
Ao menino Fulano 
Uma salva de palmas! 

Pois em Portugal não tem pique (nem big) no Parabéns a você. Há sim a palavra “alma” mesclada à meninice eterna do aniversariante.

Quando as garrafas de vinho começam a escassear, as almas brasileiras cumprem sua missão e fazemos aquilo que de nós esperam: cantamos todos os Cartolas, Tons Jobins, Chicos, Caetanos e afins. E até sambamos, se insistirem. E até preparamos caipirinha, se for necessário.

Dessa vez não foi preciso sambar, nem houve rodada de caipirinhas. No fim os clichês são todos bonitos, assim como sua sobreposição. Gente tão distinta reunida para celebrar o nascimento de um amigo, cantar e ouvir música brasileira em Alfama, esse bairro em que tudo parece ter mais de trezentos anos e em que todas as noites escuto da minha janela alguém lamentar-se em ritmo de fado. 

A rapariga misteriosa da foto encontrada no lixo.


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